Observador de pessoas
Eu tiro fotografias. É o meu passatempo, a minha justificação para sentir algum prazer em produzir alguma coisa minha. É incongruente, todavia, visto ser também algo introvertido e ter alguma dificuldade em me relacionar com os outros sem colocar uma máscara por cima. Quando faço fotografia sou apenas eu, com os meus medos e receios, dificuldade em dar um passo em falso e perder tudo o que vim a construir com as imagens.
Acho que já o referi anteriormente, numa narrativa cada vez mais cíclica, assim como as fotografias que se repetem no mesmo local e a horas semelhantes, numa quase rotina como lavar os dentes. Até na ilha, especialmente na ilha, tenho receio de ir a novos locais, ser visto e ser confrontado sobre a razão pela qual ando por aí a tirar fotografias. O problema é que nem eu sei justificar. É pelo perfil do instagram? Pelo blog? Sei lá, apenas gosto de procurar algo que capte uns milésimos de atenção do olho, mas isso deduzo que seja ainda mais difícil de explicar.
Este pensamento serve de introdução às fotografias seguintes; todas elas tiradas sem (praticamente) olhar para o visor da máquina fotográfica, disfarçadamente para invocar a candura e retratar as pessoas e os locais como são realmente. Minto. Assim o fiz para não ser visto. A inclinação das fotografias não é propositada: fingir que não estamos a fotografar dificulta a noção da orientação e dos ângulos, mas deduzo que com a experiência - ou a coragem - a questão seja resolvida. Para já fica assim.
A primeira é de um personagem (no bom sentido) bem conhecido do local. Já lhe soube o nome, já foi meu vizinho. Tem um visual que tem todos os adjetivos menos discreto. É tatuador, tem um estilo muito próprio e uma presença que deve resultar em imagens porreiras. Vi-o durante o segundo que demora um passo e um disparo rápido rua acima.
No seguimento das peculiaridades, um homem fazia a sua caminhada matinal, mas encurvado, como se lhe custasse. Outros resignavam-se ao sedentarismo ou à aceitação que já não se podem mover como antes, outros, mesmo com dificuldades, lutam.
Mais à frente, uma artista trabalhava em plena rua, fabricando ornamentos e bugigangas para vender. Achei curioso a concentração, mesmo com o movimento em volta. Falávamos de coragem? Então o que dizer de quem se levanta todos os dias, pega em materiais por vezes desprezados, cria algo novo e disso depende o seu rendimento? É certo que existem artistas e “artistas”, com ou sem preconceitos, mas a rua vive de tudo um pouco e também deles.
“É já ali”. Nem é preciso título para a última fotografia desta publicação. Já fui turista e ser turista cansa. É já ali menina! Só mais meia dúzia de passos para lá chegar.